Quando o Fred nos inscreveu nesta prova estava a poucos dias de descobrir que estava grávida. Nessa altura os nossos objetivos para este ano de 2016 estavam a criar forma e eram bastante ambiciosos a nível desportivo, pelo que a participação nesta prova com esta distância e altímetria não nos causava qualquer tipo de dúvida.
A curiosidade de fazermos a correr a prova que se promove como "Dificilmente haverá prova mais bonita" e que passa nos caminhos que já fizemos tantas vezes sobre duas rodas era enorme. O que eu não imaginava é que "Dificilmente haveria pançuda mais pançuda do que eu em prova"!
Estando, à data da prova, grávida de quase 21 semanas de gravidez, a certeza de que participaria na prova deixou de existir. A vontade de o fazer estava lá toda e contava continuar a treinar com os devidos ajustes mas a verdade é que por vários motivos relacionados com a gravidez e o facto de ter iniciado uma mudança de casa, já não corria há mais de um mês.
Mas a data foi-se aproximando e o bichinho de puxar pelo corpo mesmo que de forma comedida começou a fazer das suas e a menos que chovesse muito ou que alguma limitação médica assim o ditasse, nada me iria fazer desistir.
E foi assim, que no passado domingo nos apresentámos nesta vila incomparável para me estrear a pé pelas estradas que já fiz tantas vezes a pedalar (e que o Fred conhece de olhos vendados). O dia amanheceu promissor e tínhamos à nossa espera uma Sintra ensolarada.
O meu primeiro desafio era caber na minha roupa de treino. As calças XS provaram que têm elasticidade suficiente para aguentar uns quilinhos extra e consegui o feito de conseguir espremer as mamas (desculpem mas não há mesmo outro termo) dentro de um dos soutiens desportivos. A parte de cima não era drama porque já aprendi que as camisolas de oferta das provas por menor que seja o número que peça ficam sempre a nadar.
Fomos diretos aos travesseiros e a um cafézinho para fazer tempo e mantermo-nos quentes mas antes ainda houve tempo para descobrirmos mais uns amigos e umas fotos da praxe. Por esta altura o bichinho da corrida já estava mais que instalado e eu sabia que a minha resolução de manter apenas um género de Powerwalk iria ser muito difícil de manter.
É que se o dia até estava bonito, sentia-se nessa altura uma humidade a entranhar-se no corpo e eu não queria mesmo correr o risco de me constipar.
Depois do aquecimento feito, juntámo-nos ao grupo da segunda partida e aguardámos a nossa vez.
É claro que tinhamos de nos entreter de alguma forma e disparates não podiam faltar :)
O Nuno, o meu parceiro de prova, lá nos encontrou e começamos a nossa preparação para o arranque. O tempo aqui estava a ameaçar mudar mas confesso que por esta altura era coisa que já não me preocupava minimamente. Ainda antes de arrancar, eu já só pensava em chegar ao fim,
Tendo a companhia do Nuno para me acompanhar no meu ritmo de tartaruga, o Fred mentalizou-se em correr a prova do início ao fim sozinho e o melhor que conseguia e para alguém que começou a correr há tão pouco tempo, seria sem dúvida a garra dele que o ia manter no caminho.
Finalmente lá se deu o arranque e sabia que o que nos esperava nos primeiros quilómetros não ia ser pêra doce, especialmente na minha condição, por isso mantive um ritmo de jogging abrandando apenas quando sentia que a minha pulsação aumentava mais do que o desejado. Não tendo nenhum tipo de aparelhómetro que me monitorize, tinha mesmo de estar atenta ao que o corpo me dizia e respeitá-lo.
Mesmo a cair umas pingas, aos primeiros quilómetros tive de tirar quer o impermeável, quer a primeira camada porque não aguentava o calor. Eu já sou encalorada por natureza, grávida então nem se fala. Mas lá está, não convém arriscar por isso obriguei-me sempre a resguardar-me minimamente.
Não é difícil esta ser a prova mais bonita estando o seu percurso todo inserido numa área tão única e de uma beleza inagualável.
A organização tem isso de borla, e é pena que se valha apenas disso para manter esta corrida com esta adesão.
Chegar ao 4km, o primeiro abastecimento, e ver isto é desolador. Eu levava água porque quis jogar pelo seguro no meu estado, mas quem vinha a contar com a água não deve ter ganho para o susto. Uns metros à frente estavam uns quantos membros com algumas garrafas na mão, mas do que vi teriam apenas uma meia dúzia cada um e à sua volta não se via mais nada... e ainda havia muita gente atrás de mim.
Sinceramente, sinto que a maioria das corridas organizadas são mais uma máquina de fazer dinheiro do que outra coisa. Mesmo que no BTT existam umas situações idênticas, consegue haver mais respeito pelo atleta e cuidado a garantir a sua hidratação e energia.
Pensei que no segundo abastecimento houvesse algum reforço energético, como barritas ou isotónico, mas nada. Apenas água e muito pouca à altura a que passámos.
O céu abriu e a paisagem que nos rodeiava era fabulosa. Eu e o Nuno íamos correndo mais ou menos sozinhos, a por a conversa em dia e a aproveitar as melhores sensações que este desporto nos dá.
Nunca tinha feito uma prova no grupo dos "últimos" e, sinceramente, se o meu respeito por todos os que se propõe a ir mais além já era grande depois de ontem tornou-se enorme. Temos a tendência de estar sempre a falar em tempos, posições e quantos é que deixámos para trás, quando a única coisa que interessa é a nossa própria superação. Seja ela no ritmo que for.
Já não sei a partir de qual quilómetro é que começamos a correr para não mais parar (tirando a última subida lixada pelo quilómetro 10 que nos fez abrandar) mas a certa altura íamos os dois felizes e a sentirmo-nos tão bem com o nosso jogging que deixei de tomar atenção aos quilómetros. A partir do quilómetro 10/11 se não me engano começámos a ser dobrados por pessoal que já tinha acabado e regressava ao ponto de partida pelo mesmo percurso.
Quando chegámos ao cruzamento da N247, já havia imensa gente a regressar a suas casas e foi a única vez em que sentimos algum apoio tirando o dos próprios atletas. Era uma massa de gente que ali estava e que não se cansou de apoiar os que ainda corriam em direção à meta.
A partir daí a frase que mais ouvi foi "tá quase!". Muita gente se admirou ao ver-me passar com esta pança e julgo que não devem ter sido poucos os que me acharam doida, mas garanto que por esta altura me sentia lindamente e era capaz de continuar ao mesmo ritmo por muitos bons quilómetros.
Encontrei mais uns amigos que regressavam, houve tempo para abraços e para assistir a mais um momento insólito. Um polícia a mandar desviar os atletas em prova para passar o carro que alguém disse ser o "do presidente". É no mínimo vergonhoso.
Ter chegado no grupo dos últimos também me ajudou a perceber que o respeito por estes não é grande coisa. Viu-se na passagem pela Azoia em que os próprios autocarros de turismo nos fizeram uma razia, viu-se na chegada à meta em que já estava quase tudo desmontado e quem chegou pouco atrás de mim viu esvaziarem o primeiro pórtico mesmo antes da sua passagem, sendo obrigados a passar por cima das lonas no chão.
É triste, especialmente porque a máxima "dos fracos não reza a história" não se aplica a ninguém que se tenha proposto fazer esta prova e tenha chegado ao fim.
Infelizmente houve quem tenha ficado a poucos metros da meta e o seu prognóstico não fosse nada animador. Ainda não faço ideia do que aconteceu a este atleta mas os meus pensamentos continuam com ele bem como a esperança que tenha conseguido superar essa batalha pela vida que ali travou.
Eu cheguei ao fim, cheguei bem, e principalmente, o meu bebé que correu comigo também. O Fred também conseguiu o seu objetivo e não podia ter mais orgulho nele! O rapaz vai-me dar que fazer quando eu puder voltar aos treinos sem restrições ehehehe.
Atravessar a meta para mim foi um momento que não consigo explicar. Talvez por sentir que ao consegui-lo possa servir de alguma forma para ajudar a desmistificar a necessidade das mudanças de estilo de vida radicais só pela chegada de um bebé. Se estamos habituados a um determinado ritmo, se temos saúde, se não há qualquer tipo de contra-indicação médica, não há qualquer motivo para que tenhamos de abandonar por completo os nossos hábitos, especialmente os saudáveis. Sorte a minha que tenho isso tudo e um médico que o percebe.
Foi definitivamente a prova de corrida mais bonita em que participei mas confesso que só voltarei a participar se por algum motivo me quiser testar em ritmo de prova no mesmo percurso. A pagar chegou esta vez.
Por fim, quero agradecer aos membros do BTT Club de Lourel pelo acompanhamento dos atletas e a sua disponibilidade e atenção desde o início ao fim da prova. Senti-me sempre apoiada, neste caso pelo José Coelho, que montado na sua bike (e que me fez por vezes alguma inveja pois por mais que goste de correr, a bike é sempre a bike hehehe) lá foi acompanhando o grupo onde ia inserida e que com toda a paciência e cuidado garantia que íamos em segurança e que tínhamos apoio mais especializado se necessário.
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