O regresso previa cerca de 150km. Viriamos por um trajeto sempre ao longo do rio Tejo e percorrendo parte de algumas GRs (Grandes Rotas), na esperança de com isso termos um regresso menos duro.
Dia 2 - Alferrarede (Abrantes) - Lisboa
Depois de uma primeira paragem na lavagem automóvel para tirar a areia das bikes e olear, partimos em direção a Constância onde fizemos a nossa primeira pausa gastronómica e turística.
Ao contrário do dia anterior, cruzámo-nos com bastante gente a pedalar e o tempo estava murcho mas perfeito para a nossa empreitada: fresco sem ser frio, encoberto sem ser escuro. Todavia, o vento é que não era grande amigo e desde os primeiros quilómetros que o tivemos como inimigo empurrando-nos ora para trás ora para o lado.
Eu confesso que ia a aproveitar esta parte do percurso para desfrutar das paisagens e não ia muito preocupada com o tempo que gastávamos com isso. Sabia que a maior parte do caminho seria feito em estradão por entre os campos de tomate, milho e afins e aí não há nada mais a fazer que não pedalar.
Já o Fred fazia contas ao tempo e embora também fosse disfrutando, estava preocupado (e com razão) em por-nos a mexer pelo que o tempo que eu gastava a: tirar telemóvel, tirar luva, desbloquear telemóvel, abrir app, tirar foto, etc. fazia-o protestar um bocadinho de vez em quando. A sorte é que gosto dele e ignorava-lhe o mau feitio. A minha sorte é que ele gosta de mim e aturava-me as paragens a qualquer visão que me arrebatasse ;)
Perdi a conta ao número de vezes que atravessámos passagens de nível neste dia, logo eu que não gosto nada delas. Mas o track lá nos fazia andar de um lado para o outro e num troço, à chegada de Almourol e do seu castelo, tivemos mesmo de pedalar ao longo da linha. Aqui seguimos a par de um grupo que fazia o seu primeiro passeio de BTT e cruzamo-nos com alguns participantes da Rota dos Castelos que viemos a perceber estarem a fazer praticamente o mesmo track que nós mas em sentido contrário.
Quando avistámos o castelo fiquei elétrica (sim, ainda mais). Há tantos que o queria conhecer e finalmente, numa volta organizada assim do nada, aqui estou eu à sua frente. Eu e a minha 15kg que se mostrava uma grande aliada nesta aventura. Só por falta de tempo é que não o visitámos, mas ficou prometido o regresso.
Perdemos aqui um bocadinho mais de tempo que o previsto, com foto aqui e ali ou simplesmente a apreciar, mas de que vale viver se não perdemos tempo a saborear o que se vive? Ainda para mais quando temos a companhia certa para o fazer?
Esta volta mostrou-me o quão importante é a escolha da companhia numa aventura assim. A gestão do esforço, do ritmo e mais importante ainda, da forma como se lida com o stress - o nosso e o do outro - que se acumula em situações que nos testam os limites, podem mudar radicalmente a forma como se disfruta de uma empreitada tão grande e exigente. Ao mesmo tempo, também percebi que tenho o companheiro certo para aspirar a mais aventuras tão ou mais loucas que esta. Há acasos do caraças e, no nosso caso, a conspiração astral jogou mesmo a nosso favor.
Quando deixámos o castelo de Almourol fizemos o único single do dia. A subir claro, que até esta altura também não fazíamos mais nada do que subir. Pouco depois entrávamos nuns trilhos por entre campos de milho e fomos literalmente parados pelos membros do Trilhos Sem Fim Leiria que tinham boa disposição para dar e vender. Saímos dali com um grande sorriso na cara e houve até quem saísse com mais do que um simples sorriso. Basicamente, fizeram-me o bigode! Apresento-vos a Miss Obelix dos tempos modernos! :p
Depois deste trilho, passámos pela Quinta da Cardiga. Uma quinta que pertenceu à Ordem dos Templários e da qual já me tinham contado um pouco a história da primeira vez que aqui passei a caminho de Fátima. Corta-me o coração ver tal edificação ao abandono e apetece mesmo ter o poder de reabilitar todo o espaço e devolver-lhe a importância que teve outrora.
Neste ponto, assumimos que tínhamos mesmo de dar ao pedal para não chegarmos muito depois do que era desejável e lá demos corda aos pedais. Tanta corda que nem o meu ciclómetro aguentou!
Seguiram-se campos de tomate. E de milho. E de tomate. E de tomate. E de milho. E de tomate. E estradão. E vento. E estradão. E chuva. E estradão no meio de plantações de tomate a perder de vista. Enfim, uma verdadeira seca de caminho mesmo com a chuva e isso começava a afetar a nossa moral. Decidi portanto arranjar-nos um objetivo que nos motivesse a chegar ao fim: Sushi!!!
A certa altura, cruzamos-nos com o Carlos Sousa do grupo Portugal Bikepacking que vinha em sentido contrário a cumprir o seu raid solitário Lisboa-Porto. Foi a tirar a foto para registar o momento que consegui a proeza de espetar a minha talega na canela. Com tantos dentes que lhe faltavam e tive logo de acertar num bem afiado que me fez um belo buraco na perna. Mas nada a temer que havia kit de primeiros socorros pronto a entrar em ação.
Novamente, por mais que andássemos não se viam povoações e apenas nos cruzávamos de longe a longe com um peregrino, sendo que um deles era um dos peregrinos, e o não oriental, com quem nos tínhamos cruzado no dia anterior.
Tínhamos cerca de 50km feitos quando avistámos umas casas ao longe e decidimos não arriscar e fazer um desvio para tentar almoçar por ali. À entrada da povoação, de seu nome Azinhaga, perguntámos se havia algum sítio onde pudessemos comer qualquer coisa e aconselharam-nos um na outra ponta com a promessa de ser bom e barato. Até que era verdade, mas a nível de simpatia deixava um pouco a desejar.
Forrados os estômagos, surpreendo o Fred com um dos seus doces favoritos a ver se o animava. Não sei se consegui, mas pelo menos repus-lhe os níveis de açúcar em valores mais aceitáveis.
No final de contas, o nosso objetivo desta viagem não era beliscado se os últimos 40km por estrada fossem substituídos por uma bem mais agradável viagem de comboio, que até parecia fazer algum sentido tantas foram as vezes com que nos cruzámos com a ferrovia durante a nossa aventura.
Seguimos então a pedalar certinho até à Azambuja guardando a decisão final para esse momento, mas há coisas que parece que estão escritas, e, se ainda não estava totalmente convencida em fazer o resto do caminho de comboio, rendi-me quando a primeira coisa que vemos à entrada da Azambuja é a estação da CP.
Ainda por cima com o comboio que iríamos apanhar parado na linha! Ou melhor, que poderíamos ter apanhado não fosse a logística de entrar na estação de bicicleta, subir escadas, comprar bilhetes, validar bilhetes e descer para a plataforma não fosse tão morosa. Tivemos assim uma espera de meia-hora que serviu para descomprimir um pouco, comer e fazer uma retrospetiva sobre o que tínhamos vivido até aí.
Estávamos felizes. O Gang do Sapatinho tinha saído-se bem e cumprido o seu objetivo de aventura com muita animação à mistura.
Pessoalmente, sentia-me completamente realizada. Com cerca de 280km pedalados no total, tinha batido o meu recorde de distância percorrida tanto seguida como em dias consecutivos, com etapas bem exigentes fisicamente e a melhor companhia possível. Descobri que não sou miúda de estradão e que o Fred também não. Ou seja, estiradas a direito não são a nossa praia, mas etapas mais curtas (onde o curto é relativo) e técnicas sim, por isso as próximas aventuras prometem!
Ficha Técnica (dados do Strava):
Distância: 107,4km
Tempo de movimento: 6h30
Tempo decorrido: 8h38
Elevação: 467m
Vel. média: 16,5km/h
Vel. máxima: 49,7km/h
Ver no Strava: Raid do Tomate - 2º Dia
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